As coisas voltam ao início

Clipping

Vladímir Sneguirev

O próximo outono marca o décimo aniversário do início da guerra norte-americana e de seus aliados contra o Talibã. Essa é uma hora oportuna para refletir se os líderes e comandantes militares ocidentais aprenderam as lições da presença armada da URSS no Afeganistão.

As duas campanhas têm muito em comum, mas também apresentam diferenças. A principal delas é que, em 1979, Moscou enviou suas divisões militares para proteger um regime amigo de forças hostis e evitar que o Afeganistão saísse de sua esfera de influência; as tropas ocidentais, por sua vez, estão comprometidas a destruir bases terroristas. O primeiro caso representou um episódio de confronto global entre o bloco socialista e praticamente o resto do mundo, um acontecimento que definiu o último momento da Guerra Fria. Já a presente guerra se trata de uma resposta da Casa Branca aos ataques de 11 de setembro.

 

Há 32 anos, quando os generais da União Soviética se viram em um país vizinho, nem sequer se preocuparam em providenciar alojamento básico para suas unidades. E por que deveriam? Supunha-se que iriam rapidamente derrotar os bandos das guerrilhas islâmicas com suas armas obsoletas e retornar para onde tinham permanentemente estacionado. Em pouco tempo, ficou claro que os barbudos mujahidin eram apenas a ponta do iceberg e que por trás deles havia recursos colossais dos Estados Unidos, Arábia Saudita, China, Paquistão, Egito, Israel e uma infinidade de outros Estados que aproveitaram ao máximo a oportunidade para declarar a União Soviética um “império do mal”, colocá-lo em uma longa guerra de atrito e, por fim, vencer a Guerra Fria.  Atualmente, a coalisão que está combatendo o Talibã e a Al-Qaeda tem, pelo contrário, o apoio de praticamente o mundo inteiro, inclusive da Federação Russa.

– A má interpretação de duas guerras distintas

Porém, quais são os traços comuns? Há 32 anos, assim que entraram em Cabul, as forças soviéticas começaram liquidando Hafizulla Amin, chefe da liderança afegã; Amin era suspeito de colaborar com a CIA. Babrak Karmal assumiu a posição e foi meticulosamente instruído pelo Kremlin sobre como governar o país “corretamente”.  A invasão dos EUA e da Otan também foi precedida pelo assassinato político de Ahmad Shah Massoud, o único afegão que naquela época tinha chances de se tornar um líder nacional genuíno. A história oficial é de que forças armadas próximas ao Talibã planejaram o crime, mas, ao conversar com pessoas instruídas em Cabul, percebe-se que poucas delas dão crédito a essa versão. Na verdade, Massoud tinha resistido por muito tempo e com sucesso aos ataques de radicais e era definitivamente considerado um de seus piores inimigos, mas todos sabem que ele jamais teria concordado em ver soldados estrangeiros em sua terra.

 

A verdade é que naquele momento Massoud não convinha a ninguém – nem aos norte-americanos nem ao “mulás”, e muito menos aos membros de seu círculo, que queriam apenas usufruir das recompensas da vitória da Jihad. O modo como o assassinato foi organizado e as evidências foram acobertadas mostra que profissionais sérios trabalharam no caso.  O Talibã? Não parece um trabalho deles.

 

Seja como for, os fatos depois prosseguiram no mesmo cenário: foi a Casa Branca que instalou Hamid Karzai no Palácio de Ark, antiga residência dos monarcas afegãos, e fez de tudo para torná-lo legítimo aos olhos de seus próprios cidadãos.

 

Os soviéticos, especialmente nos primeiros anos, impuseram ao Afeganistão suas próprias ideias de estrutura de Estado e vida pública. Os norte-americanos, com uma obstinação suicida, estão cometendo os mesmos erros, tentando em vão enxertar seus “valores democráticos” nos pachtuns, tadjiques, cazares e os outros habitantes das montanhas selvagens.

 

O aparecimento de unidades da Otan e da Força Internacional de Assistência para Segurança (ISAF, da sigla em inglês) no Afeganistão, assim como a invasão do “contingente soviético”, gerou um forte estímulo aos conflitos de guerrilha. Por mais estranho que possa parecer, quanto mais forças a coalisão acumulou do outro lado do rio Panj, pior se tornou a situação política e militar da região. Basta olhar as estatísticas de ataques terroristas, os números de vítimas e o mapa de territórios controlados por forças da oposição.

 

O Ocidente jamais irá alcançar a vitória no Afeganistão por meios exclusivamente militares.

 

Os russos também fracassaram, mas possivelmente atingiram muitas de suas metas: depois de a Rússia deixar o Afeganistão, o regime do presidente Najibulla permaneceu firme por mais três anos contra os ataques violentos dos mujahidin, que recebiam apoio do mundo islâmico e do Ocidente. O regime de Najibulla entrou em colapso logo depois da queda da URSS.

 

Em outras palavras, Moscou conseguiu concretizar aquilo que o Ocidente ainda tem que alcançar: criar um governo viável, para formar, armar e treinar o exército e a polícia, e, assim, assegurar o controle da maior parte do território do país. O fator Najibulla também deve ser levado em conta. Ele foi um governante forte, reconhecido pelas tribos independentes pachtuns e pelas minorias étnicas do norte do Afeganistão. Não é por acaso que eles gostariam de ter Najibulla de volta: ele seria um líder ideal para o Afeganistão nos dias de hoje. Quanto a Hamid Karzai, ainda não é possível afirmar se ele tem a mesma competência.

 

O preço pago por Moscou pelo seu sucesso é um assunto completamente diferente. Muitos acreditam que a guerra contra os mujahidin provocou um efeito paralisante na economia, enfraqueceu a confiança, diminui drasticamente o apoio ao regime soviético no mundo todo e, por fim, precipitou a queda do mundo comunista e da URSS. O preço é ainda grande demais para ser colocado de lado, mas a segurança de toda a civilização ocidental está em jogo.

 

Meus colegas estrangeiros me perguntam por que tantos afegãos, mesmo os antigos mujahidin, têm boas recordações dos russos e, ao mesmo tempo, não demonstram nenhum sentimento caloroso por aqueles que hoje arriscam suas vidas para defendê-los do Talibã e da Al-Qaeda. Eu acho que a resposta é óbvia. O segredo é que nós não apenas combatemos os fundamentalistas, mas investimos bilhões de dólares em vários projetos de construção. Quase tudo que o Afeganistão possui hoje – estradas, pontes, túneis, fazendas, escolas, elevadores de grãos, bairros residenciais – foram construídos por ou com assistência dos soviéticos. Dezenas de milhares de afegãos foram educados na Rússia e em outras repúblicas soviéticas. Tais coisas não são facilmente esquecidas. Hoje, esse é o único jeito de reverter a situação. Operações militares “cirúrgicas” devem ser acompanhadas de importantes projetos de infraestrutura que mudem a cara do país e a mentalidade de seu povo.

 

No início dos anos 90, era comum ouvir pessoas na Rússia dizendo que “mandar tropas para o Afeganistão era um erro trágico, mas deixá-las partir do país era um crime imperdoável”. A mensagem é que não tínhamos o direito de deixar a nação à mercê de extremistas . Ganhar aJihad acabou se tornando uma vitória de Pirro: caos, guerra civil e ainda mais vítimas, que culminaram com a tomada do poder pelo Talibã, transformando o Afeganistão no centro do terrorismo internacional. Há 25 anos, esse foi o resultado do conflito ou, se quiserem, a consequência lógica da Guerra Fria. Hoje o mundo é diferente. Mas o perigo não diminuiu.

Fonte: Gazeta Russa

EUA classificam 4 membros do governo venezuelano como narcotraficantes

 

WASHINGTON – O governo dos EUA incluiu um general, dois congressistas e um importante funcionário da inteligência da Venezuela em sua lista de narcotraficantes, por sua suposta colaboração com os guerrilheiros colombianos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o tráfico de drogas e armas.

O Departamento do Tesouro divulgou um documento no qual acrescenta à lista de narcotraficantes o general do Exército Antonio Alcalá Cordones, o representante da Venezuela no Parlamento Latino-Americano Amílcar Figueroa, o funcionário da inteligência Ramón Madriz e o congressista Freddy Bernal.

O documento destaca o Figueroa como “o principal provedor de armas e contato com os líderes das Farc estabelecidos na Venezuela”, enquanto que o general Alcalá Cordones é acusado de “usar sua posição para estabelecer uma rota” para troca de armas por drogas. Bernal, que foi prefeito da capital Caracas, “teria facilitado a venda de armas” entre o governo venezuelano e as Farc e Madriz “tem coordenado a segurança” para a organização colombiana, que Washington classifica como terrorista.

Como consequência da inclusão dos nomes à lista de narcotraficantes, qualquer bem que os venezuelanos possam ter nos EUA são congelados e cidadãos americanos são proibidos de realizar transações com eles.

“A decisão de hoje expõe quatro funcionários do governo venezuelano como colaboradores chaves de armas, segurança, treinamento e assistência de outro tipo às operações das Farc na Venezuela”, disse o diretor da divisão de controle de ativos do Departamento do Tesouro Adam Szubin. Segundo ele, o Tesouro “vai continuar a se concentrar nas estruturas de poio das Farc na Venezuela e na região”.

Em 2009, o Tesouro americano emitiu uma medida similar contra o ex-ministro do Interior Ramón Rodríguez Chacín e os chefes do serviço de inteligência Hugo Carvajal Barrios e Henry Rangel Silva.

 

REAÇÃO VENEZUELANA

O chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, condenou o anúncio do governo americano e afirmou que essas novas acusações são parte de uma agenda permanente de agressão dos EUA contra o governo do presidente Hugo Chávez.

“Se você analisar a história das pessoas que dirigem o Departamento do Tesouro dos EUA, veremos que eles estão envolvidos em vários crimes contra a humanidade porque são os responsáveis por toda a política econômica que destrói a humanidade neste momento”, disse Maduro durante um evento em um hospital em Caracas. “Esse Departamento do Tesouro está desqualificado do ponto de vista moral, político e técnico para qualquer tipo de opinião”, acrescentou.

Fonte: Associated Press via Valor Econômico

Ataques de 11 de setembro incentivaram brasileiro a lutar pelos EUA no Iraque

Alessandra Corrêa

No dia 11 de setembro de 2008, exatamente sete anos após os atentados contra Nova York e Washington que mataram quase 3 mil pessoas, o brasileiro Bruno Bonaldi desembarcava no Iraque como integrante de um batalhão de fuzileiros navais americanos enviados para lutar no país.

A temporada de sete meses na província iraquiana de Al-Anbar foi a realização de um sonho iniciado ainda na adolescência e que se tornou mais forte com os ataques de 11 de setembro de 2011.

“Quando aconteceu tudo aquilo em 2001 e quando foi confirmado, depois, que foi um ataque, um ato terrorista, eu passei a ter uma vontade ainda maior de me alistar e de poder lutar pelo país”, disse Bonaldi, 29 anos, à BBC Brasil.

Dez anos após os atentados, de volta à casa onde vive com a mulher, a também brasileira Ana Paula, em Little Falls, no Estado de Nova Jersey, Bonaldi, que hoje é cidadão americano, diz que os eventos de 11 de setembro o tornaram mais patriota.

“Não nasci aqui, mas eu acho que sou ainda mais patriota hoje do que eu seria (se os atentados não tivessem acontecido)”, diz Bonaldi.

Trajetória

Nascido em Paranaguá, no Estado do Paraná, Bonaldi chegou aos Estados Unidos aos 11 anos de idade, com a mãe e os irmãos.

“Somos quatro irmãos, eu sou o mais velho. Meu pai já estava aqui havia cerca de oito meses e durante esse período juntou dinheiro para poder mandar nos buscar”, relembra.

No início, a adaptação ao novo país foi difícil.

“Eu sempre tinha aquela mentalidade de um dia voltar para o Brasil. Pensava: ‘Meus pais ficando ou não aqui, eu vou embora’. Minha vontade era sempre ir embora”, diz.

A mudança veio no segundo ano do Ensino Médio, quando o então adolescente assistiu a uma palestra na escola sobre as Forças Armadas e, mais especificamente, os Marines – como os fuzileiros navais são chamados nos Estados Unidos.

“Naquele momento eu já sabia que aquilo era o que eu queria para mim”, diz Bonaldi.

Bonaldi terminou o Ensino Médio em 2001, mesmo ano dos atentados. Imediatamente após deixar a escola, começou uma longa trajetória na tentativa de se alistar nas Forças Armadas.

Carta a Bush

A realização do sonho, porém, levou vários anos e incluiu algumas decepções. Até 2006, Bonaldi estava em situação ilegal nos Estados Unidos e não podia, portanto, se alistar.

“Desde 2001 tentei inúmeras vezes me alistar, mesmo sendo ilegal, mas sem sucesso”, diz.

O soldado conta que chegou a enviar uma carta ao então presidente George W. Bush explicando sua situação e pedindo ajuda.

“Escrevi dizendo qual era a minha intenção e perguntando se alguém podia fazer alguma coisa por mim. Explicando que eu não estava atrás de Green Card, o que eu queria era me alistar mesmo.”

Ele diz que recebeu uma resposta da Casa Branca, com a orientação de procurar o serviço de imigração e seguir as regras.

Seus pais acabaram conseguindo o Green Card por meio dos empregadores e, em 2006, Bonaldi finalmente conseguiu regularizar sua situação no país e ingressar nas Forças Armadas.

Iraque

Dois anos após entrar para o Corpo de Fuzileiros Navais, Bonaldi foi enviado ao Iraque – país invadido por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos como parte da chamada “Guerra ao Terror” lançada após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Na província de Al-Anbar, o batalhão do qual fazia parte era responsável pela segurança em um trecho de estrada.

Do período passado no Iraque, Bonaldi guarda a lembrança das longas jornadas em patrulhas à beira da estrada e do contato com a população local.

“O que me impressionou de cara foi a pobreza”, afirma.

“Alguns iraquianos mais velhos não acreditavam que Saddam (Hussein) já tinha sido enforcado. Achavam que era uma farsa da mídia, que ele ainda estava escondido, que iria reassumir o poder e tudo ia voltar a ser como era antes.”

Torcedor do Flamengo, Bonaldi levava na bagagem uma camisa do clube e diz que muitas vezes usou o futebol como maneira de superar a barreira da língua e se aproximar da população.

“Viam a camisa e já vinham falar de Zico”, lembra.

Balanço

Passados dez anos dos atentados que levaram à invasão do Iraque – e do Afeganistão – Bonaldi diz que a ação militar da qual fez parte valeu a pena.

“Acho que valeu a pena tanto para mim, porque realizei um sonho, foi um aprendizado enorme, quanto para o próprio país, que está livre de um governo que maltratou muito o povo”, afirma.

A morte do líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, em maio deste ano – em uma operação de forças americanas no Paquistão –, reforçou a certeza de que seu esforço no Iraque foi válido.

“O papel que eu cumpri lá (no Iraque) eu acho que valeu a pena. Ele (Bin Laden) foi morto, eu acho que conseguimos tirar um tirano”, afirma.

No entanto, Bonaldi diz acreditar que ainda há trabalho pela frente no que diz respeito à luta contra o extremismo. “Ele se foi, a Al-Qaeda fica.”

Hoje Bonaldi faz parte de um batalhão da reserva, em Nova Jersey. Sobre a dupla cidadania, diz que se sente meio americano e meio brasileiro.

“Eu diria que é meio a meio, porque eu nunca esqueci do Brasil”, afirma. “Amo o país onde nasci, mas amo aqui também. É um país que me deu oportunidades e que vai dar oportunidades para a minha família.”

Fonte: BBC Brasil

América Latina se aproveita da ‘década perdida’ dos EUA

William Márquez

No afã de responder aos ataques do 11 de Setembro, os Estados Unidos colocaram o Oriente Médio e a Ásia Central no topo de suas prioridades políticas. Nos últimos dez anos, essas regiões têm ocupado suas atenções, a que os historiadores se referem como “a década perdida”.

Além de outras mudanças na conjuntura internacional, a América Latina também aproveitou essa distração do gigante americano para abrir as asas e buscar novos rumos políticos, diplomáticos e sobretudo econômicos.

O resultado foi a eleição de governos latino-americanos menos palatáveis para Washington, a relação desses com outras nações um dia consideradas “exóticas” e a prioridade do intercâmbio comercial com a China.

Especialistas continuam discutindo as causas e os efeitos prolongados deste giro, mas o certo é que a região reafirmou sua identidade e independência. Muitos países revitalizaram suas economias e saíram relativamente ilesos da crise financeira de 2008, que continua afetando os EUA e a Europa.

Precursores

“O 11 de Setembro marca mais ou menos o momento em que a América Latina nasceu como verdadeira entidade independente”, disse à BBC Mundo Larry Birns, diretor do Conselho sobre Assuntos Hemisféricos, COHA, de Washington.

Os precursores foram os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, e Hugo Chávez, na Venezuela. O primeiro protagonizou uma intensa campanha para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O segundo destacou-se por seu desafiante populismo radical.

Seguiram o mesmo caminho, guardadas as devidas proporções, governos como o do casal Kirchner, na Argentina, de Rafael Correa, no Equador, e o de Evo Morales, na Bolívia, entre outros na América do Sul. O mesmo ocorreu com Daniel Ortega, na Nicarágua, e Mauricio Funes, em El Salvador.

Larry Birns reconhece que essa tendência da “esquerda” latino-americana poderia estar em gestação antes, mas consequências do 11 de Setembro aceleraram o processo.

A consolidação dessa mudança é vista em organizações multilaterais como a Unasul, que exclui os Estados Unidos e Canadá.

“A região está emergindo como um importante centro da política externa”, diz o diretor do COHA. “A América Latina não é mais apenas um consumidor de eventos, mas também um gerador deles.”

Ritmo da China

Onde mais se nota a perda de hegemonia dos EUA sobre a região é na economia. A região estabeleceu fortes laços comerciais com outras potências emergentes e blocos.

A falta de atenção de Washington para com o seu “quintal” tradicional custou aos EUA o privilégio automático de ser o primeiro parceiro comercial da América Latina. As razões para tanto são variadas.

Para começar, os pactos comerciais que resultaram nos anos 1990 no Nafta (entre EUA, México e Canadá) e no Cafta (para a América Central) foram apenas parcialmente bem sucedidos. Ao fim dessa década, e ao longo dos anos 2000, a região começou a diversificar seus parceiros comerciais, voltando-se para a Europa.

Em seguida, a iniciativa de criar uma zona de livre comércio do Alasca à Patagônia, a Alca, nunca se materializou, enquanto que vários pactos bilaterais entre os EUA e em outros países foram enfraquecidos ou não foram implementados.

A mudança mais significativa, no entanto, foi a emergência do Sudeste Asiático como polo de crescimento.

“A entrada da China na economia global é sem dúvida o evento mais importante neste período econômico que estamos vivendo”, diz Augusto de la Torre, economista-chefe para América Latina e Caribe do Banco Mundial.

Num primeiro momento, a emergência da China produziu efeitos adversos sobre as economias do México e da América Central, que perderam espaço no mercado dos EUA. Acreditou-se inicialmente que esta seria a tendência de toda a região.

A fase de desenvolvimento em que se encontra a China, no entanto, pelo fato de ser uma nação de renda per capita baixa e renda média em ascensão, faz do país um consumidor voraz de matérias-primas.

De la Torre ressalta que países que têm sua cadeia produtiva ligada às necessidades da China são os grandes beneficiários desse processo. Brasil, Peru, Chile, Argentina, Venezuela, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai são alguns dos países puxados pelo crescimento do gigante chinês.

O Panamá, por causa do canal, também se beneficiou com o grande fluxo de comércio internacional.

Repúblicas de bananas

“O que se nota é que a atividade econômica destes países pulsa mais com o ritmo da China que com o dos Estados Unidos, à medida que a China é agora o parceiro mais importante para alguns países como o Peru”, diz o economista do Banco Mundial.

O comércio de commodities, no entanto, é uma faca de dois gumes para a América Latina, por ter sido “tanto a fonte de sua prosperidade como de suas ansiedades”, disse De la Torre.

Para evitar os altos e baixos que fizeram os países da região ficaram marcados como “repúblicas de bananas” é necessário uma política econômica destinada à diversificação, competitividade e criação de “conectividades” para permitir crescimento de longo prazo e em direções diferentes .

O diagnóstico do Banco Mundial é que, com poucas exceções, tem melhorado a capacidade das sociedades latino-americanas de gerir seus recursos através da melhoria de suas instituições.

De la Torre destaca o caso do Chile, que conseguiu lidar com as receitas da venda de cobre de forna “muito sábia e prudente”, depositando o dinheiro em fundos de estabilização que foram desembolsados para manter a economia ativa durante a última crise financeira global.

Também o Brasil, dono de uma enorme riqueza mineral, tem boas perspectivas para administrá-la, por causa da maturidade de suas instituições.

Riqueza de conhecimento

Para manter a bonança no longo prazo, o mais importante é transformar a riqueza derivada das matérias-primas em “riqueza do conhecimento”, pontua De la Torre.

Seria seguir o exemplo do Japão após a a Segunda Guerra Mundial e agora da China, que se beneficiaram da transferência de tecnologia dos países com quem tiveram forte comércio.

“Quando o iPod é montado na China, há um grande número de engenheiros chineses estudando como ele é feito e como poderiam ser melhorados”, diz o economista.

Essa foi uma relação que a América Latina não aproveitou quando os laços econômicos com os Estados Unidos estavam no auge.

“Nós ainda não desenvolvemos a capacidade de absorção de tecnologia, inovação de aprendizagem, e não temos políticas nacionais de fomento tão vigorosas como a dos asiáticos”, diz Augusto de la Torre.

Nova relação

Onde fica a relação com os EUA?

Os analistas reconhecem que houve um racha, mas o prognóstico geral é que as ligações continuem fortes, tanto política quanto economicamente, mas com uma perspectiva diferente.

“A América Latina quer expandir as suas opções”, disse Geoff Thale, diretor do Washington Office on Latin America, WOLA, uma ONG que promove a relação “equilibrada” entre os EUA e seus vizinhos.

“Muitos países têm aprendido as lições da sua dependência política e econômica com os EUA e querem diversificar as suas relações”, disse Thale.

No entanto, o analista destaca que as relações continuam a ser fundamentais e mutuamente benéficas.

“Em 2003, nos piores momentos entre Venezuela e Estados Unidos, em nenhum momento houve corte do fornecimento de petróleo, porque ambos dependem dele”, lembra.

Thale ressalta que, apesar da retórica, todos os governos da América Latina, tanto os de direita quanto os de esquerda, querem um bom relacionamento com o grande vizinho do norte.

O diretor da WOLA diz que Washington precisa dar mais atenção política à região para fortalecer seus laços.

A mudança está dada e alguns suspeitam que é irreversível.

Larry Birns, diretor do COHA acredita que os laços permanecem, mas já não mais tão elásticos como antes.

“Uma coisa é certa: o status quo, aquele que existia antes de 2001, esse não existe mais”, disse.

Fonte: BBC Brasil

Exército dos EUA passa por mudanças e esgotamento após 11/9

Envolvidas em dois conflitos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, as Forças Armadas americanas experimentaram mutação radical sob pressão da guerrilha para a qual não estavam preparadas e, apesar do enorme aumento do orçamento, mostram-se esgotadas, depois de 10 anos de guerra.

Perseguição a combatentes inimigos, invasão do Iraque, luta contra as rebeliões iraquianas e os talibãs: os Estados Unidos ingressaram em uma nova era depois dos ataques contra as Torres Gêmeas de Nova York.

A potência militar americana age primeiro, aplainando o terreno: o regime talibã foi derrotado em um mês, o de Saddam Hussein, em três semanas. Mas, rapidamente, os militares americanos passaram a enfrentar o combate mais letal: uma insurreição.

As Forças Armadas americanas do começo do século XXI esqueceram-se das lições do Vietnã, transformando-se em militares essencialmente concebidos para enfrentar um conflito convencional.

Os Estados Unidos cometeram o erro de atribuir “uma confiança exagerada à eficácia da alta tecnologia ante a rusticidade do inimigo”, comentou o ex-embaixador James Dobbins.

“Em 2002, os efetivos americanos no Afeganistão ascendiam a cerca de 10.000 e, em setembro de 2003, os planos do Pentágono para o Iraque previam a mobilização de 30.000 homens”, segundo este especialista do centro de reflexão Rand. Não se tratava, então, de lançar-se à missão de reconstrução do país (“nation building”).

Os americanos precisaram voltar a aprender, em meio à dor, a combater uma insurreição simultaneamente com a repressão ao extremismo, com a ajuda de serviços de inteligência cada vez mais militarizados e uma nova arma: os drones (aviões não tripulados).

Dez anos depois do 11 de setembro, 100.000 homens estão mobilizados no Afeganistão e cerca de 50.000, no Iraque. Os gastos são consideráveis e as perdas humanas, não menos.

Desde 2001 a guerra contra o terrorismo e as operações no Afeganistão e Iraque custaram 1,283 trilhão de dólares, segundo informe do Serviço de Investigações do Congresso (CRS).

Mais de 6.000 militares americanos perderam a vida e mais de 45.000 ficaram feridos. Os gastos médicos com os ex-combatentes podem chegar a um trilhão de dólares nos próximos 40 anos, segundo estudo da Universidade de Brown.

Dois terços do 1,25 milhão de veteranos, com destinos diversos no Iraque e no Afeganistão, sofrem feridas invisíveis como a síndrome do estresse pós-traumático, além de passarem por diversos problemas psicológicos. O número de suicidas bate recordes.

E tudo isto com que resultados? O orçamento do Pentágono, certamente, duplicou; o número de navios e submarinos teve uma redução de 10%; o mesmo acontecendo com de esquadrões de caças e bombardeiros, que passou para a metade do número anterior.

Ocupados nas arenas do Iraque e nas montanhas do Afeganistão, os militares americanos “não tiveram tempo para treinar” numa guerra convencional, estimou Lawrence Korb, especialista do Center for American Progress. “Inevitavelmente, a situação terá que voltar a um equilíbrio quando forem concluídas estas campanhas”, opinou por sua vez Stephen Biddle, do Council on Foreign Relations.

Mais grave ainda, as Forças Armadas se desgastaram, segundo ele: “Há um ponto de ruptura e se tornaram uma instituição extremamente fatigada”. O ex-secretario de Defesa, Robert Gates, parece ter compreendido. Em fevereiro, poucos meses antes de renunciar, advertia: “qualquer futuro secretário de Defesa que aconselhe o presidente a enviar uma importante força armada à Ásia, ao Oriente Médio ou à África deve fazer, antes, um exame na cabeça”, disse.

Fonte: AFP via defesanet